O mito do amor eterno parece atender a uma necessidade intrínseca aos humanos, tanto resiste à passagem do tempo, das gerações e dos modismos.
Será possível um amor eterno? Pode durar para sempre uma relação amorosa? Em suas variadas vestimentas, essa é, no fundo, a indagação que permeia a angústia dos casais.
Mas como pensar na permanência do amor, se a esperança de completude é sempre tingida pelo medo da perda? Se sabemos que, quanto mais intensa a entrega, mais ameaçador o abismo do abandono?
Como não chorar ao prenúncio do beijo, como não tremer diante do gesto de carinho, se cada um desses contatos sela o destino e prenuncia o caminho da dor, inexorável e certa? Na melhor das hipóteses, até que a morte os separe. Incerto apenas o momento: quando?
Não é fácil, o amor.
Mas não temos escolha: vivemos na ambiguidade, porta aberta para a loucura. Estamos sempre nos debatendo entre a necessidade de descansar no peito do companheiro e a obsessão de suficiência, de autonomia, de independência econômica e afetiva.
É difícil, o amor.
“Para viver um amor eterno, a condição primeira é amar a vida, em sua pequeneza e precariedade cotidiana: aceitar o efêmero, já que não podemos saber de quantos dias se compõe a eternidade”
No entanto, e apesar de tudo, o amor abre seu caminho. É provável que nossa espécie, bizarra e desajeitada, tenha sido salva pelo amor. Falo da origem dos tempos, quando os perigos eram desproporcionais à nossa capacidade de enfrentá-los. Sem garras, sem presas, mal concebidos para correr, o que nos salvou foi a solidariedade, a possibilidade de viver em grupo. Para sobreviver, tivemos de inventar o amor.
Assim, nos tornamos fortes diante do predador. Com a vida em grupo, porém, assumimos nossa fragilidade e nossa dependência do amor do outro. E, então, fomos condenados à angústia. Talvez por isso nos fizemos românticos, eternos escravos da ilusão.
Também na história de cada ser humano, o amor se impõe. Nascemos frágeis, totalmente dependentes. A fenda da calota craniana, a moleira, é testemunha de que nascemos prematuros e incompletos. Para sobreviver, precisamos do apoio e afeto de um adulto. Somos condenados ao amor desde o nascimento.
“No fundo, também tenho a certeza de que importante, mesmo, é viver um grande amor: o resto, a gente faz se der tempo”
Por tudo isso, precisamos acreditar na possibilidade de permanência. O mito do amor eterno parece atender a uma necessidade intrínseca aos humanos, tanto resiste à passagem do tempo, das gerações e dos modismos. Às vezes, reconheço no discurso de minhas filhas, esperanças e crenças de minhas avós – o que me deixa perplexa e comovida. No fundo, eu também tenho a certeza de que importante, mesmo, é viver um grande amor: o resto, a gente faz se der tempo.
Será possível ensinar a amar? Será que existem caminhos para criar filhos mais livres, com mais coragem para enfrentar o risco da entrega?
Se tivermos paciência e tolerância para educá-los sem apelar para o temor nem para o pecado, eles talvez cresçam isentos dos grilhões da culpa – e assim se tornem adultos menos escravos da insegurança e mais aptos para o amor.
Para ensinar a amar é fundamental transmitir a crença de que o prazer é, além de possível, necessário.
E de que ele não depende de grandes dádivas, nem de conquistas transcendentais, mas está logo ali: na boa comida partilhada, no brinde com os amigos, no domingo de sol, no olhar da pessoa amada, no sorriso das crianças.
Para que eles não tenham medo nem do choro, nem do riso, há que se fazer as festas e acolher os lutos, para que a emoção faça parte da vida como o sal de cada prato, tornando-se cotidiana e íntima, mas nunca banal.
Ajuda muito acreditar e transmitir que a vida é boa – e, quando não, que é possível torná-la tolerável com afeto e humor. Para viver um amor eterno, a condição primeira é amar a vida, em sua pequeneza e precariedade cotidiana: aceitar o efêmero, já que não podemos saber de quantos dias se compõe a eternidade.
Amor eterno? Enquanto dura, a cada dia, um amor é eterno.