Com um discurso libertário, um grupo de feministas vem ensinando a mulheres o caminho para o que pode – ou não – ser o auge de uma transa. Mais importante que o ato em si, as terapeutas advogam, é o processo empoderador que a busca pelo feito permite. Marie Claire investigou o que tem levado interessadas para esses cursos e o (pouco) que a ciência sabe a esse respeito.
No meio de um amasso quente, enquanto o parceiro a masturbava, a empresária Gisele Freitas, 35 anos, expeliu uma incomum quantidade de líquido da vagina. “Morri de vergonha. Foi um jato tão forte que chegou a molhar a parede. Na hora achei que tivesse feito xixi. Talvez por estar tão excitada, não consegui segurar”, recorda. Essa transa molhada, que aconteceu dez anos atrás, marcou a vida sexual de Gisele. Sempre que se lembrava do episódio, sentia um misto de tesão e constrangimento. Só bem recentemente, em uma conversa com uma amiga, descobriu que não foi xixi o que saiu do meio de suas pernas, mas ejaculação. “Ela me contou que fez um curso onde aprendeu técnicas para ejacular e me descreveu toda a sensação. Era exatamente o que havia acontecido comigo no passado”, diz. “Fui atrás da tal aula na mesma hora.”
Era a oficina imersiva de sexualidade I Love My Pussy, criada há um ano pela filósofa e terapeuta tântrica Carol Teixeira. Com abordagem feminista e discurso de que “o empoderamento precisa ir além e incluir nossas vaginas”, a aula de Carol – e de várias outras professoras na mesma linha – promete ensinar como chegar às glândulas de skene, a “próstata feminina”. Localizada na entrada do canal vaginal, seria ela a responsável pela ejaculação. Isso se acariciada do jeitinho certo, claro. Há uma espécie de mapa da mina para tentar tamanha façanha – ilustrado abaixo.
Psicanalistas com formação em Tantra (a filosofia indiana que inclui olhar para a sexualidade em busca de uma integração de corpo e mente) apresentam técnicas para chegar lá. Durante imersões, que duram um dia ou até um final de semana inteiro, as demonstrações são in loco, no corpo de uma aluna voluntária ou da própria professora. É o caso de Sue Nhamandu, psicanalista e instrutora do workshop Siririca Molhada, criado há um ano. “Com uma luva cirúrgica, as alunas colocam o dedo dentro da minha vagina e vou indicando onde está a próstata. Algumas também pedem que eu as ajude a encontrar as delas”, explica.
Antes de pôr a mão na massa, as frequentadoras dessas oficinas passam por um intensivo teórico, cuja finalidade é criar um pacto. Fica combinado que todas ali estarão 100% focadas no próprio prazer – e não em servir a ninguém, mesmo que essa seja a intenção que as levou ao curso. “Infelizmente, o grande interesse das mulheres que chegam a mim querendo ejacular é fazer malabarismo erótico para o parceiro”, conta a psicanalista Mariana Stock, idealizadora do curso Empoderamento do Prazer para Mulheres, criado este ano. “É meio parecido com a busca pelo pompoarismo, que vende a ideia de que a vagina fica apertadinha como a de uma virgem para enlouquecer o homem. Com a ejaculação elas também pretendem impressionar.”
Nesse objetivo de “agradar o parceiro”, a pornografia dá sua contribuição. Cenas de atrizes tendo gozos ejaculatórios são populares entre a audiência masculina. Na plataforma on-line Pornhub, o “YouTube do pornô”, o termo “squirt” (esguicho) está entre os mais buscados, em filmes que chegam a ter mais de 10 milhões de visualizações. É por isso que nessa etapa inicial, a de desconstrução de conceitos machistas, as alunas entram em contato – e muitas pela primeira vez – com informações sobre clitóris (sabia que ele tem mais de 8 mil terminações nervosas que podem nos proporcionar prazer, enquanto a glande do pênis tem só 4 mil?), além de serem incentivadas a falar abertamente sobre suas vulnerabilidades.
“Desde criança ouvimos ordens do tipo: ‘Feche as pernas, menina!’”, diz Carol Teixeira, do I Love My Pussy. “Não adianta ensinar técnicas de ejaculação sem fortalecer a base emocional dessas mulheres. É preciso que antes de tudo se autorizem a sentir prazer de verdade. Algo que lhes foi negado desde que o mundo é mundo.”
Por mais de uma década, a doula Jessica Scipione, 29, teve a vida sexual abalada por uma violência. Aos 14, quando sonhava ser modelo, um fotógrafo a convenceu a posar nua. “Estávamos sozinhos no estúdio quando ele começou a esfregar o pênis em mim. Fugi chorando”, diz. “Dois anos depois, comecei a namorar um cara. Mesmo apaixonada, transar era algo desagradável. Ficamos juntos por nove anos e ele nunca entendeu minha frigidez.” Apesar da ajuda da psicanálise, que frequentou por dois anos, Jéssica seguia traumatizada. Só encontrou “a cura” ao ejacular pela primeira vez em uma sessão individual de massagem orgástica com Mariana Stock, em agosto de 2017. “Quando comecei a gozar, veio uma angústia enorme. Mas me entreguei. Esqueci que era uma mulher ali me tocando com um vibrador e encharquei o edredom.” Desde então, Jessica está mais livre no sexo. “Sinto que passei por uma limpeza espiritual fazendo a imersão.”
Apesar da forma quase religiosa com que algumas de suas alunas descrevem esse ápice de prazer e de a massagem ser inspirada no transcendentalismo do Tantra, Mariana, a condutora do “milagre”, prefere deixar tudo no plano terreno. “O que as mulheres conseguem acessar é biológico. Quando associamos o orgasmo feminino a algo divino, mais uma vez delegamos uma capacidade que é do nosso corpo a outro dono”, esclarece a psicanalista.
Biológico? Então existe comprovação científica de as mulheres podem ejacular? “Não é bem assim. Não há consenso sobre esse fenômeno”, responde Carolina Ambrogini, ginecologista e coordenadora do projeto Afrodite, do Ambulatório de Sexualidade da UNIFESP. “O que se sabe é que algumas de nós têm maior propensão a ejacular.” E como se explica a produção do tal fluido e mais, o seu caminho fisiológico no corpo feminino? “Imagine que as glândulas de skene, duas bolinhas responsáveis pela produção da secreção, são contraídas pelos músculos do orgasmo. Então, os ductos das glândulas transportam essa secreção para a uretra, que libera a ejaculação.”
Preocupada com o surgimento de mais uma opressão feminina, “a de que não basta gozar, agora tenho que ejacular”, Carolina chama atenção para um erro comum quando pensamos em mulheres ejaculando: “Não é ‘um tipo de orgasmo’. Também não podemos dizer que as mulheres que ejaculam têm orgasmos mais intensos – algumas podem ter um orgasmo inesquecível e não ejacular”.
Coordenadora do Programa de Estudos em Sexualidade (ProSex) do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP), a psiquiatra e sexóloga Carmita Abdo afirma que “ejaculação feminina” é um tema controverso entre a comunidade médica, que se divide em acreditar no fenômeno e invalidá-lo completamente. “Precisamos estudar mais a anatomia do prazer feminino para termos uma verdade universal sobre mulheres ejaculando. Enquanto isso não acontece, contamos com a experiência dos consultórios, que mostra, sim, pacientes chegando lá.”
Uma das poucas informações com respaldo científico que se tem sobre o tema é a de que há enzima PDE5 – a mesma associada à ejaculação masculina – no genital feminino. Segundo um estudo feito na Itália, na Universidade de Aquila, essa substância está concentrada nas glândulas de skene, situadas na entrada do canal vaginal, bem próximo à uretra. Desde a descoberta, de 2002, esse par de glândulas passou a ser chamado de “próstata feminina” e seria o agente ligado à nossa capacidade de ejacular, quando estimulado. O que não muda o fato do squirt ser visto pela comunidade médica como um fenômeno raro.
Caso da fisioterapeuta pélvica Monica Lopes, membro da Associação Brasileira de Sexualidade Humana. Para ela, é mais comum que o excesso de líquido expelido pela vagina durante um orgasmo esteja relacionado a um caso de bexiga hiperativa ou a uma incontinência urinária coital. Monica também critica a forma “nociva” com que a pornografia retrata o squirt. “Quando há ejaculação o líquido escorre da vagina. Não é um jorro com toda aquela intensidade”, diz. “Temos caminhos para gozar, e ejacular é apenas um. Funcionamos diferentemente dos homens, e essa ideia de querer ejacular como eles pode se tornar mais um peso na vida sexual da mulher, que muitas vezes não consegue nem ter um orgasmo.”
Desde que começou a tomar um antidepressivo, a professora Bruna Romero, 30, tem sofrido para gozar. “Com o remédio, só fico excitada no meu período fértil.” Bruna ficou sabendo do workshop Siririca Molhada pelo Facebook e se interessou. “Minha neura era ter de ficar pelada entre desconhecidas.” Nua ela não ficou. Mas participou de atividades conduzidas por Sue. Na “carimbo-vulva”, as alunas passam tinta de beterraba (você sabe onde) para depois sentarem em uma folha de sulfite. O objetivo é imprimir o mapa do próprio genital no papel. Em “meditaçõesmasturbativas”, mulheres se masturbam após escreverem e lerem em voz alta o último sonho erótico que tiveram. Bruna ainda não conseguiu ejacular, mas viu uma colega ao lado chegar lá no curso. Agora, tem tentado obter êxito na “siririca molhada” sozinha.