” A jornalista Marie-Claire Chappet analisa as consequências do comportamento YOLO (You Only Live Once, ou “Só se Vive uma Vez”, na tradução) nesta crise do novo coronavírus “
Millennials. Somos a geração dos “subversivos”; a que deu origem a Mark Zuckerberg e ao Uber. Queremos acabar com o trabalho formal e remodelá-lo à nossa maneira. Não temos nenhum chefe, somos o chefe. Lançamos aplicativos, marcas e campanhas de ativismo. Reformamos tudo, desde política a períodos, desde como compramos, como namoramos, como assistimos TV e como pegamos um táxi.
Dizem constantemente que somos uma geração coletiva do conceito de “Só se Vive uma Vez” (You Only Live Once, ou YOLO, em inglês), uma mentalidade do “agir agora e pensar depois”, das experiências de vida em vez de investimentos de vida, do ativismo e das vidas vivenciadas on-line. Deslizamos para a direita à procura de um amor, e com um toque conseguimos comida e entregas para o dia seguinte de tudo, desde um jantar até sexo. Somos a geração dos instagrammers e das estrelas do YouTube, de carreiras autônomas e trabalho remoto; de start-ups a freelancers. Somos a geração que aluga ao invés de comprar, gasta ao invés de economizar. Vivemos hoje, não amanhã.
Nossas ações andam causando uma enorme impressão sobre a maneira como todos vivemos nossas vidas. As redes sociais alteraram completamente a forma como nos conectamos e criamos uma realidade online única, separada daquela da vida real, para o bem ou para o mal, e a nossa recusa em permanecer calados e aceitar injustiças varridas para debaixo do tapete por muito tempo, fez com que ocorresse a quebra de tabus em relação às normas de gênero, à saúde mental e ao assédio sexual. Millennials. Somos destruidores.
Mas… Será que o novo coronavírus virou nosso pensamento de cabeça para baixo, provando que todos estávamos errados? Agora queremos juntar tudo de novo? Agora, é a vez da despedida do modo YOLO de viver e a saudação do modo MPP: Mudança de Prioridade Pandêmica.
Agora estamos vivendo uma nova normalidade, sob o medo desse vírus devastador e, de fato, a geração millennial pode ter sido a mais abalada. Os subversivos foram subvertidos. O “agir agora e pensar depois” não anda nos servindo bem durante esse período de pânico. Na verdade, isso nos ferrou absolutamente.
Adoramos trabalhar em casa, isso foi praticamente inventado por nós. E todos esses aplicativos de entrega? Sim, entendemos deles. Está tudo ficando online? Queridos, nosso universo já é esse. Mas, com uma economia em desintegração e os trabalhadores autônomos sendo atingidos com mais força, essa utopia de trabalhar por conta própria, tornar-se um empreendedor ou fazer um frila atrás do outro à base dos cafés com leite de amêndoa, livres de lactose, não está apenas desmoronando à nossa volta, como também destruindo nossas atitudes cuidadosamente construídas em relação à vida.
Porque ao destruir o manual que nos foi entregue pela geração dos Boomers e a geração X — o trabalho tradicional, a casa e as contribuições previdenciárias — destruímos a única coisa que precisamos agora: segurança.
As mulheres da geração millennial serão as mais atingidas nesta crise, devido à maneira como nós trabalhamos e vivemos. Somos uma geração de autônomas e/ou empreendedoras e/ou locatárias. É muito improvável que tenhamos economias substanciais, muitas de nós nunca possuirão nossa própria casa e nem sequer começarão a receber aposentadoria. Quantas de vocês já pensaram em viver com uma? Um relatório de 2018 feito no Reino Unido estimou que, em média, uma pessoa precisará de mais de 200 mil libras para se sustentar durante a aposentadoria e um número estimado de 630 mil entre nós não poderá pagar o aluguel depois da aposentadoria.
Eu e minhas amigas deveríamos estar no pub neste fim de semana, na Itália, dentro de uma área com piscina em junho. Em vez disso, a maioria de nós está tirando licença com o isolamento ou entrando em pânico ao ligar para o Auxílio Emergencial. Minhas amigas que “viveram o sonho da geração millennial” e começaram suas próprias empresas, nunca estiveram tão estressadas ou desesperadas como agora. Minhas amigas autônomas que gastavam todos os seus salários, torrando-os com álcool e viagens porque economizar para coisas grandes parecia algo longe e impossível. Agora é o aluguel deste mês que parece impossível de pagar.
Gastamos tanto tempo na vida pensando que “só se vive uma vez” que esquecemos de planejar a longevidade dessa vida — as coisas chatas e firmes que nos manterão seguras no futuro. Será que realmente seremos um bando de aposentadas sem teto com nada além de ótimas lembranças de viagens extravagantes?
Essa é a realidade que minhas amigas e eu estamos, repentinamente, enfrentando, e isso nos fez querer reorganizar massivamente a maneira como abordamos nossas finanças e nosso futuro. O coronavírus é uma constatação feia da realidade. Simplesmente demos uma boa olhada no espelho e ele não está bonito. E não, não estou querendo dizer apenas sobre o fato de você não poder retocar a raiz e chegar no dia 402 sem usar base.
Refiro-me ao fato de que nosso estilo de vida e modos de trabalho tornaram muitas de nós livres de qualquer ajuda substancial do governo — isso nos tornou vulneráveis. Muitas millennials agora irão, pela primeira vez nas nossas vidas, sobreviver com o Auxílio Emergencial. Muitas mais entre nós podem nem se qualificar para recebe-lo. Foram reveladas as realidades aterradoras de trabalhar por conta própria, de não ter chefes e ser nômade. A estabilidade do trabalho formal abraçada pelos Boomers e os “Xs” — e rejeitada por nós por ser muito segura e chata — nunca pareceu mais tentadora do que agora, ao olharmos para a nossa nova e perigosa realidade com o COVID-19.
Antes de nos apoiarmos em nós mesmas tão fortemente, o fato é que muito disso tem a ver com a economia, o cenário de empregos e o mercado imobiliário que herdamos. Talvez sejamos a “Geração flocos de neve”, mas de recebemos, de fato, um quinhão bastante deprimente para se reclamar; casas que não podemos pagar e salários estagnados à medida que o custo de vida aumenta.
Nossa estilo “YOLO” de agir é, na verdade, uma consequência direta da estabilidade dos preços que aumentam exorbitantemente. Os empregos que nossos pais tiveram, talvez não apenas tenham sido desagradáveis para a geração millennial, mas verdadeiramente indisponíveis. A maioria acha que há apenas contratos de trabalho intermitente e oportunidades freelancers disponíveis, que o aluguel é a única opção viável financeiramente, que economizar é menos atrativo que uma viagem a Ibiza. Porque se você não pode fazer investimentos de longo prazo mais razoáveis, por que não se animar com algo que consegue pagar no curto prazo? YOLO, certo?
Ficamos presas num dilema similar ao dos ovos de galinha aqui: o que aconteceu primeiro, a geração do millennial querendo trabalhar por conta própria ou o mercado de trabalho nos forçando a fazer isso? Mas a realidade é que nossas circunstâncias nos imbuíram de uma imprudência fiscal que agora está voltando para nos assombrar. Ao querermos aproveitar mais a vida do que nossos pais fizeram, acabamos desejando ter uma fração do que eles tinham — uma casa própria, um emprego para a vida toda, todas as armadilhas sensatas e chatas que agora estamos loucos para ter.
Como uma ressaca ruim, o novo coronavírus está nos fazendo reavaliar todas as ações da noite anterior, da nossa vida antes do COVID-19. Quem somos agora, geração millennial? É uma pergunta que anda me atormentando há algumas semanas, desde que os símbolos de nossa geração nos traíram. Acabamos subvertendo a nós mesmos? Sairemos daqui para onde? Se precisamos mudar ou se a própria sociedade precisa de uma remodelação mais simpática, eu não sei. Mas o que sei é que estamos no meio de uma crise de identidade, uma mudança de mentalidade, um período vital e doloroso de reavaliação e que mudará nossas vidas para sempre após a pandemia.
Esta é a nossa mudança de prioridade pandêmica. A última constatação da realidade, o verdadeiro alerta YOLO. Bem-vindo à era da nova geração do milênio!
Fonte: Revista Glamour