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Uma experiência de sexo em público com desconhecidos narrada com detalhes

Luz do carro acesa é autorização para o voyeurismo. Janelas baixas são sinal de que mãos são bem-vindas na transa. Portas abertas são um convite para participar do ato. Essas são regras do dogging. A jornalista e adepta Madalena Xavier* conta sua experiência com o marido e (muitos) outros homens participando – e gozando junto

Desde que começamos a namorar, há dez anos, eu e meu marido frequentamos casas de swing, festas regadas a orgia e motéis com interação entre os quartos. Ver sua parceira transando com outro homem é algo que o excita, e transar com mais de um homem também é algo fascinante para mim.

Quando nosso primeiro filho nasceu, há cinco anos, no entanto, sair ficou bem mais complicado e começamos a sentir falta das nossas aventuras sexuais. Um dia, navegando em um blog de swingueiros, Saulo* descobriu uma novidade a poucas quadras da nossa casa: o dogging, prática que consiste basicamente em transar dentro do carro ou ao ar livre, em locais públicos, com outras pessoas olhando – ou interagindo. Tudo parecia simples e as regras eram claras: acender as luzes do interior do carro significa que as pessoas podem assistir ao sexo do casal; janelas abaixadas é o código para chegar mais perto e até colocar uma mãozinha aqui, outra ali. Portas abertas são sinal verde, liberou geral: todos são bem-vindos na transa.

Logo que ele me contou, adorei a ideia e não via a hora da nossa primeira experiência de exibicionismo e voyeurismo ao ar livre.

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As regras são claras: acender as luzes do interior do carro significa que pessoas podem assistir ao sexo; janelas abaixadas é código para chegar mais perto e até colocar uma mãozinha. Portas abertas é sinal verde: todos são bem-vindos na transa (Foto: Trunk Archive)

No dia em que decidimos ir, enquanto pensava na logística – bolsa, cigarro, uma cervejinha para tomar no caminho –, parei e pensei. “Será que estou mesmo preparada?”. Já tinha transado com desconhecidos em casas de swing, mas daí a fazê-lo na rua havia uma grande diferença. Nas casas fechadas, não há a menor possibilidade de violência, os códigos são respeitados. Me tranquilizei quando pensei que não seria a primeira vez que transaria no carro. Essa era, inclusive, uma prática comum na adolescência, quando os pais no quarto ao lado impediam de fazer sexo num lugar bacana. Já tinha destreza para rodopiar ao volante. Na pior das hipóteses, iríamos embora dali.

Sem nenhum frio na barriga e tomada por uma enorme curiosidade – e excitação –, decidi ir. Sempre gostei muito de transar e a vida toda encarei o sexo como arma de empoderamento. Transar livremente, falar abertamente sobre sexo e igualar os gêneros na cama é uma forma de alimentar minha libido, meus desejos e minhas lutas. Para mim, sexo sempre foi sinônimo de poder. “Como a mulher ainda luta por visibilidade em uma sociedade patriarcal, a libertação dos desejos é uma forma de exercer o poder. Muitos estudiosos dizem que a exploração do desejo empodera a alma”, explica a psicóloga e terapeuta sexual Ana Claudia Alvim Simão, mestre pela South Bank University, em Londres.

Naquela noite, estava com um vestido vermelho de alça, bem soltinho, que facilitava a brincadeira. Eram umas 2 da manhã quando estacionamos na praça e, de cara, contei três homens circulando pelo local. Assim que acendemos as luzes, outros foram surgindo ao redor do carro. Enquanto nos beijávamos, meu marido deslizou a mão sob meu vestido, que não ofereceu resistência e cedeu deixando meus seios à mostra. Tirei a calcinha e abri o vidro do passageiro, onde estava sentada. Seguimos nos beijando e outras mãos passeavam pelo meu corpo. Os braços se espremiam no breve espaço da janela para tentar me alcançar; dedos sedentos entravam e saíam de dentro de mim, se revezavam, acariciavam meu peito, barriga, rosto e cabelos.

No lado oposto, outros caras curtiam a visão enquanto se masturbavam. Um pouco mais distante, um casal de mãos dadas apenas observava. Fiquei de quatro e fiz sexo oral no meu parceiro, deixando minha bunda exposta para a excitação de todos e mais um rodízio de mãos que me agradavam. O dogging rendeu. Outro carro estacionou, novos rostos surgiram, outros migraram para ver a novidade na vaga ao lado. Janelas abertas, tirei o vestido e sentei de frente para o volante, de costas para o meu marido, e transamos. Me senti num campo de futebol cercada por uma torcida que vibrava com o jogo a que assistia. Na minha cabeça foi como um golaço: gozei e me pareceu que todos aqueles homens tinham gozado comigo. Ou melhor, para mim. Virei fã!

Voltamos para casa satisfeitos, conversando sobre o assunto. Sempre tive tesão na dominação, e estar lá, disponível para tantos homens e ao mesmo tempo no comando da situação foi uma combinação totalmente prazerosa. Da mesma forma, meu marido sempre curtiu me exibir; concluímos que o dogging é uma prática que concilia ambos os desejos. Por isso, fomos diversas outras vezes, às sextas-feiras ou sábados de madrugada. Em mais de uma vez cheguei a sair do carro. Transei com Saulo encostada na porta enquanto mãos passeavam pelo meu corpo.

Em outra ocasião, fiz sexo com um cara apoiada no capô, enquanto praticava sexo oral em outros – sem passar de dois, me revezava neles enquanto meu marido se masturbava. Também já fomos apenas para o exibicionismo, transamos loucamente dentro do carro, eu estava totalmente nua, ele me masturbou, fez sexo oral e me comeu em todas as posições que um veículo pequeno permite, até gozarmos. Primeiro eu, na sua boca; depois ele, dentro de mim. Jamais houve problema com falta de respeito: não sempre foi não. Nem sempre conseguimos atingir nossos objetivos, é verdade. Em uma ocasião, aconteceu algo curioso. De repente, perdi o tesão. Chegou uma hora que deu. Nem eu nem nenhum dos envolvidos ainda tinham gozado, mas eu simplesmente não queria mais. Disse: “Não”. Fui prontamente atendida.

Apesar de curtir bastante, nossa frequência era espaçada. Para nós, é uma experiência muito intensa. Depois de uma trepada no dogging, é necessário um tempo para digeri-la. Em geral, a gente curte outras noites de papo, gozando com as lembranças. Nunca soubemos o nome de ninguém com quem interagimos, e, nas recordações, os personagens perdem as definições de rosto e silhueta, é somente os movimentos e a interação dos corpos que nos excita.

A origem da prática
O dogging como conhecemos começou na Inglaterra, nos anos 1970, com a comunidade gay, e era chamado cruising. Com o tempo, heterossexuais tornaram-se adeptos e a modalidade ganhou o nome que tem hoje. Ninguém sabe ao certo o por que desse nome, mas especula-se que remeta aos cachorros que transam livremente pela rua. Outra possibilidade é a de que são os donos dos pets, que levam seus bichinhos para passear durante a noite, a principal plateia da prática. O fato é que é um fetiche que vem ganhando adeptos no mundo. Uma das hipóteses da popularidade é o seu caráter transgressor. “O risco da exposição e um cinismo em relação à sociedade resultam numa grande satisfação sexual”, explica a psicóloga Ana Claudia.

Na Inglaterra, praticar sexo em vias públicas é crime apenas se alguém se sentir ofendido e fizer uma reclamação formal. A prática é tão comum que, em 2009, foi retratada no filme Dogging: A Love Story (Simon Ellis). O longa conta a história de um jornalista que se infiltra em uma comunidade de pessoas que mantêm relações sexuais dentro dos carros e observam-se umas às outras. Na TV aberta foi tema do documentário Dogging Tales (Leo Maguire), em 2013, um dos programas mais comentados do Twitter na ocasião. Em 2001, a intelectual francesa Catherine Millet lançou a polêmica autobiografia A vida sexual de Catherine M., em que narra aventuas do gênero.

No Brasil, transar em público é crime. Se a polícia flagrar, o casal pode ser preso. A prática é enquadrada no artigo 233 do Código Penal, com pena de detenção de três meses a um ano ou multa. Esse “detalhe”, porém, parece não inibir os adeptos por aqui. Em São Paulo, a moda está pegando entre os héteros e acontece em lugares como em uma praça conhecida por Mirante da Lapa, na Praça do Pôr do Sol, em praças do bairro do Morumbi, nos arredores do prédio da IBM, na Vila Mariana e em estacionamentos de grandes parques, como Ibirapuera. Lá, por exemplo, os horários mais quentes são das 22h à 0h, quando o parque fecha; ou às 5h da manhã, quando abre. Nas praças e estacionamentos, tudo acontece na madrugada. O dogging pode rolar todas as noites, se tiver quórum, mas nos fins de semana o sucesso é garantido. Nas ruas do Morumbi, o comum é que casais que marcam previamente se encontrem por lá.

Há, inclusive, páginas no Facebook desses lugares onde praticantes fazem “check-in” e trocam informações. Numa delas, uma das frequentadoras reclamava: “Pena muitos caírem de paraquedas […]. Soube que tem um sem noção fazendo churrasco. Sou voyeur e adoro essa prática”. O comentário foi seguido por outros de homens que convidavam-na a participar de grupos de dogging no WhatsApp. Em outra postagem, um homem também reclama do excesso de “gaviões” (voyeurs). Nos fóruns há regras e explicações para uma boa conduta, como uso de preservativos sempre, cuidados com higiene pessoal (estar apresentável e limpo), manter a bolsa guardada, celulares e carteiras no porta-luvas e respeito aos desejos e finalização de quem pratica. E também para quem assiste: não se aproximar se não for convidado; saber observar com respeito, sem insultos, xingamentos ou palavras depreciativas; não pedir performance aos casais – se não estiver gostando do show, que se retire.

Para fazer esta matéria, entrei num grupo de dogging  no WhatsApp com 220 participantes, onde homens e mulheres mandam fotos sensuais de si, mas não eróticas. Perguntei ao moderador como funcionava o dogging. No privado, explicou as regras que eu já conhecia, reforçou a importância da camisinha e se ofereceu para ir comigo – apenas como acompanhante – caso eu tivesse receio de estrear sozinha. Agradeci. Foi nesses grupos que encontrei outras mulheres que toparam contar suas experiências. A paulistana Silvia*, 39 anos, descobriu a prática por meio de um amigo há cinco anos e, desde então, é frequentadora da IBM, como é conhecido o lugar. Seu barato é ir ao local para transar com homens que nunca viu e curtir o sexo sem julgamentos. “Transar com desconhecidos ao ar livre e pessoas assistindo é maravilhoso! O que mais me excita é o fato de estar com quem não conheço no meio da rua, nua e sendo desejada por vários homens. A mulher é sempre poderosa no dogging”, explica. Silvia é casada, o marido estimula suas aventuras, mas não frequenta.

Em casa, o diálogo e a relação sexual entre eles é “muito boa, como a de um casal que se dá muito bem na cama”. Geralmente, ela vai ao dogging acompanhada por algum amigo voyeur – os mais próximos estão por dentro das suas vivências sexuais. “Teve uma situação engraçada uma vez, topei me envolver com um cara que ficou tomando sorvete no teto do meu carro enquanto eu fazia sexo oral nele pela janela. Ele gozou três vezes na minha boca, e sempre chupando o raio do sorvete! As pessoas em volta riam sem parar e eu não entendia nada, depois soube que ele se deliciava no gelado enquanto eu o chupava!” Além da situação divertida, o encontro rendeu e Silvia chegou a sair com ele em outra ocasião. “Trocar contatos é comum, assim como marcar encontros.

A maioria das pessoas vai lá frequentemente e acaba se conhecendo, mas raramente a relação evolui para algo fora daquele universo.” Apesar de preferir ir acompanhada de amigos, sente-se cuidada pelos participantes. “Todos cuidam da segurança, ficam atentos à aproximação de pessoas estranhas, que nunca apareceram e podem não saber das regras de conduta. Nunca vi nenhum problema.” Entre os participantes da IBM, ela conta, não há a preocupação com celular e as possíveis fotos. “Não tenho restrição em ser filmada ou fotografada, a maioria é assim, não se importa.” Mas nas regras descritas em fóruns e redes sociais, o uso do celular é totalmente proibido: “Todos os doggers, bem como os casais, devem ter presente que a discrição e o sigilo são fundamentais e inegociáveis, pelo que, ao chegar ao hotspot, os celulares devem ser desligados e guardados”. Eu, particularmente, nunca vi ninguém fotografando.

Outro ponto ressaltado pelos praticantes do dogging nas redes sociais é o fato de ser uma prática democrática. “Ninguém é avaliado pela conta bancária, tamanho do pau. É apenas diversão”, diz Silvia. Apesar disso, um processo seletivo mínimo sempre existe. “Estaciono o carro e os rapazes se aproximam. Tudo costuma começar com sexo oral e, se eu gostar, o convido para o banco de trás. Às vezes, saio do carro para transar com mais de um ao mesmo tempo.”

No Rio de Janeiro, a praia da Reserva e o Mirante de Botafogo são locais de dogging. A carioca Julia*, 23 anos, curte o voyeurismo. “Quem nunca gostou de dar uma espiadinha nos beijos na mesa ao lado, no casal se pegando gostoso na balada? Acho que observar me dá mais prazer que estar envolvida fisicamente. Já assisti a casais se pegando dentro de carros e gozei na hora. Ali no momento é outra intensidade”, conta ela, que tem visto as mulheres se libertando cada vez mais dentro e fora dos carros. “É muito bom ver essa liberação com relação ao sexo.” Julia conta que frequentou o dogging por dois anos, até começar o namoro, no ano passado, com uma parceira que não é chegada no fetiche. “É uma prática que dizia respeito a minha própria sexualidade. Não sinto necessidade de viver isso com ela.”

Na minha relação, o dogging trouxe um ganho de intimidade e cumplicidade muito grande entre mim e o Saulo. Mesmo o ciúme, que era comum no dia a dia, desaparecia nas nossas noites de sexo na praça. E, para além do prazer na hora e local, o que sempre nos estimulou foi a vivência na cama nas semanas seguintes à prática. A lembrança nos mantém em uma excitação constante. É comum transarmos narrando as cenas mais picantes ao pé do ouvido. Enquanto mulher, essas experiências me trouxeram um maior domínio da minha sexualidade, um controle sobre meu corpo, desejos e limites, um amadurecimento da boa relação que sempre tive com a vida sexual. As configurações amorosas já não são as mesmas, mas o empoderamento que o sexo me proporciona e o tesão por todo esse universo seguem vibrantes dentro de mim. Faz um tempo que não vou ao dogging, mas depois de mergulhar na prática sob outro ângulo já deu aquele gostinho de quero mais…

Errantes do sexo, uma pensata por Christian Dunker

A expressão inglesa dogging significa algo como vagabundear, ir de um lugar para outro sem destino. Provavelmente deriva de cachorro (dog), que em sua atividade errante entra em qualquer porta que esteja aberta. O dogging reflete uma fantasia contemporânea: a superação da associação entre sexo e aliança. Quando duas pessoas se encontram aleatoriamente em um lugar público, dispostas a trocar intimidades ilimitadas, com a porta do carro aberta a quem mais se interessar pela aventura, estão dadas condições ideias para que o prazer se realize sem compromisso, troca ou retribuição. O fator “x” da fantasia é o risco. O censurado e proibido História de O, de Pauline Réage, e o autobiográfico Vida sexual de Catherine M., de Catherine Millet, são dois relatos literários de experiências nessa direção, coligidos por mulheres. De olhos bem fechados (1999), filme de Stanley Kubrick, inspirado no romance de Arthur Schnitzler, é um análogo masculino do tema.

Doggings brasileiros parecem emergir em um momento de ascensão do moralismo e do contratualismo entre casais. Por mais que nossas práticas tenham se pluralizado do ponto de vista da monogamia, que nossas famílias sejam cada vez mais tentaculares, que nossos amores sejam povoados por terceiros, quartos e quintos, por mais que o sadomasoquismo esteja sendo finalmente tolerado em casas específicas, junto com o swing, todas essas novas formas e configurações estão saturadas de contratos, regras e proteções. É a insatisfação com essa maneira arbitrária de produzir prazer que torna visível uma prática como o sexo errante. É uma forma de risco e resistência ao poder. Na idade média havia os que se desviavam da doutrina na teologia cristã e eram chamados de hereges. Não só porque estavam contrariando os dogmas, mas porque disso derivava um estilo de vida errante, sem destino e sem lugar, ou melhor, como se qualquer lugar fosse a sua morada, tal qual Diógenes que vivia nu dentro de um barril.

Quando qualquer lugar puder ser meu lugar ali também qualquer outro deixará de ser um erro para ser apenas o companheiro provisório de uma errância, presos livremente em uma bolha eterna enquanto dure.

* Nomes fictícios

Fonte: Revista Marie Claire

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